Sou uma pequena árvore no meio da Amazônia. Nasci pequena, eu era uma pequena mudinha bem frágil. Meus pais foram uma das maiores árvores da Mata Atlântica. Eles produziam muitos frutos, muitas sombras, muita seiva.
Crianças brincavam de balanço qual era pendurado em seus fortes galhos, casais de namorados deixavam lá registrado suas juras de amor na casca de seu tronco, famílias inteiras se reuniam ao redor e embaixo daquelas amplas e fechadas sombras para almoçarem, fazerem piquenique, e o pessoal das igrejas? Quantas missas e cultos foram realizados por lá.
Quando chovia, os mendicantes que viviam nas ruas, buscavam seu abrigo embaixo delas, pois suas folhas eram bem grandes e impedia até mesmo a ação de uma chuva passageira. Não posso esquecer de quantos pássaros, quantos animaizinhos da mata, por lá passaram, e onde lá se abrigavam e moravam.
O cantar dos pássaros era, para aquele lugar, algo como se ouvir uma música clássica de Beethoven. Até mesmo algumas pessoas escolhiam aquele lugar como sua última morada nesta vida, onde parecia ter saído de uma parte do Paraíso.
Psicólogos não eram necessários para os que viviam por lá, pois em cada rosto abatido, em cada lágrima rolada, lá iam eles para baixo daquelas árvores, meus pais, e lá falavam para as árvores os seus problemas, como se meus pais tivessem ouvidos para ouví-las, contudo, após esvaziarem os seus sentimentos mais íntimos, as suas queixas, os seus segredos, os seus desabafos, em um monólogo sem retorno, eles de lá saíam muito mais aliviados.
As seivas que as árvores, meus pais, produziam, eram homeopáticas, isto é, serviam de remédio para a cura de muitos males que existiam, na verdade também a casca servia para uma coisa, o chá de suas folhas para outra. E assim foram por anos a fio. Eram árvores seculares com mais de 100 anos.
Pessoas que não eram dali, ou que chegaram depois, foram trazendo novos pensamentos. E para desgraça do meio ambiente, o progresso também havia chegado, e com ele toda a sua parnafernalha, máquinas e homens destruidores.
Homens de alto comando, os quais detinham o poder de domínio daquele lugar, e que podiam decidir sobre o futuro de uma pessoa, se ela não iria ter mais abrigo, ou se iria ficar desabrigada para sempre, se ficaria triste, ou se a alegria jamais voltasse a esculpir novamente em seu rosto. Possuíam numa das mãos, um monte de papel, extraídos de muitas árvores iguais aos meus pais, que chamavam de leis, e na outra mão, um machado, cujo o seu fio refletia o$ reai$ intere$$e$ dele$.
Não havia na Mata Atlântica, por incrível que possa parecer, nenhuma outra pragra que colocasse em risco aquelas exuberantes e impotentes árvores de mais de 100 anos de idade. Contudo, elas, os meus pais, agora árvores velhas, não serviam mais para eles, e teriam que ser destruídas. Então começaram por cortarem seus pés, ou seja, suas raízes, as raízes de meus pais, que eram mais que proporcionais a altura delas.
Seus pés eram gigantes e para que uma árvore daquele porte fosse derrubada e ficasse sem equilíbrio, então deveria se começar o corte pelos pelos pés. E assim foi feito, lhe cortaram os dedos primeiramente, ou seja, as raízes mais das pontas, as mais finas, de lá saía um líquido avermelhado como se fosse da cor de sangue.
Depois foram cortando as raízes mais grossas as quais ficavam próximo da base, e que correspondiam aos seus pés. Isso não era nem o começo! Agora teriam que escolher um lugar mais alto, próximo do meio do tronco para começar a fazer a fenda dos dois lados, que serveriam para a derrubada final de meus pais, as árvores.
O lugar fora escolhido. Ficava em um lugar aproximadamente a altura de um pouco mais de 03 metros e meio, bem onde ficava o coração daquela árvore. E então deram o primeiro golpe. Somente uma pequena casca caiu, e novamente deram outro golpe e mais outro, e outro, a fenda ia ficando grande. Também o mesmo procedimento se deu do outro lado. Minha mãe foi a primeira a tomar, meu pai foi logo em seguida.
A força da queda das copas das árvores, produziu uma ventania sem igual, as folhas do chão subiram a uma altura de mais ou menos cinco metros. Aquela ventania tinha sido os últimos suspiros de meus pais, as árvores. Os homens que os derrubaram, festejaram a queda das árvores, elevando seus machados sobre suas cabeças, os quais agora tinham o sol escaldante a lhe causarem desconforto.
O que a natureza tinha levado mais de 100 anos para criar, aqueles homens levaram alguns minutos para derrubar. Alguns meses antes dessa trágica estória, alguém havia pego, uma muda (eu) daquelas árvores, e me trouxe para a amazônia. Aqui me plantou, me regou, me cuidou. Aqui eu estaria bem segura, bem longe daquele abominável progresso o qual tinha acabado com a vida de meus pais! Fui crescendo.
E como eu era bonita, e tinha também as mesmas qualidades de meus pais, então viram que eu produzia muitas frutas, e apesar da idade, posso dizer que proporcionalmente, também produzia muita sombra. E não levou muito tempo para que outras mudinhas também saíssem de mim. Mas para meu espanto, as mudinhas que saíram de mim foram se transformando em cipós, os quais começaram a subir em mim, por todos os lados, e sugavam a minha seiva, como parasitas. Fui me enfraquecendo. Perdi muitos galhos. Fiquei praticamente sem vida.
Para meu azar agora o lugar onde eu estava havia sido comprado por um grande fazendeiro, e derepente eu me vi no meio de um campo sujo, o qual foi "limpo" pela arte predatória e desenfreada das queimadas. Eu mesma fui totalmente queimada, mas aguentei no osso como se diz.
O lugar onde me encontrava e me encontro até os dias de hoje não causa grande incômodo para o dono da fazenda. Então ele me deixou ficar lá, só não sei até quando. Então reuni minhas forças e tentei novamente voltar a produzir galhos, folhas, sombras, frutos.
Meu esforço deu resultado, voltei novamente a produzir tudo aquilo que um dia meus pais me ensinaram a produzir, mas em uma escala bem menor, pois havia recomeçado do zero. Infelizmente novos cipós se enrolaram ao meu redor, minha seiva era pouca ainda mas eles não queriam nem saber, eles, os cipós, tem um apetite da dar inveja.
Essas novas pragas, os parasitas, querem sombra, frutos, tudo o que eu possa produzir, mas minha produção é ainda pequena. Além de me sustentar, eu tenho que produzir alimentos para elas. Minhas forças estão se esvaindo. Estou ficando esgotado. Não aparece ninguém para me auxiliar. Estou só. O pouco do que produzo é retirado de mim todos os dias.
Mesmo não tendo nenhum machado a vista ou nenhuma queimada ocorrendo, me sinto que estou no fim. Sabe-se lá até quando aguentarei mais. Vivo meus últimos dias na esperança de que alguma parasita afrouxe um pouco, para que eu possa respirar, e assim produzir também o oxigênio tão necessário para os meus malfeitores. Não me deixem morrer! Até a próxima postagem!
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