O fato ocorreu em algum ano na década de 80, se não me falha a memória. Era um sábado, pela tarde, minha mãe estava dando aulas no Clube de Mães da localidade de Belém Novo, bairro distante de Porto Alegre/RS, meu pai estava trabalhando como motorista particular. Eu estava em casa, tentando caçar passarinho, em minha vida toda, nunca cheguei a matar nenhum passarinho, não que tenha pena deles ou coisa que o valha, mas é por eu ser ruim de pontaria mesmo, nunca acertei nada, somente uma vez eu mesmo me acertei, mas essa eu conto outro dia, de volta ao nosso assunto, como eu fazia quase todos os sábados, pegava a arma de pressão, que pensava não ter perigo nenhum, pois via meu pai junto com meus tios fazer tiro ao alvo, por muitas horas, quando se reuniam, e eu nunca vi nenhum problema de também usá-la, a arma de pressão. Nossa casa ficava em uma esquina com as Ruas Dr. Carlos Flores, e a Rua Jorge Melo Guimarães, era toda cercada de madeira, por sarrafo, o terreno era bem grande, tinha muitas árvores laranjeiras, tinha uma garagem que ficava perpendicular com a casa, o lado da garagem que ficava para os fundos da casa era fechado, mas era aberto a lateral do outro lado da garagem, e era ali que eu sentava em um banco, e ficava cuidando e torcendo para que algum passarinho desavisado pousasse em um galho da laranjeira, para que eu pudesse matá-lo, vocês podem estar se perguntando; - Mas matar para quê? Naquela idade uns 16 anos na época, hoje estou dom 47, a gente não pensa muito, a gente parece não ser muito certo da cabeça, não ter muito juízo, eu se tivesse a sorte de acertar um passarinho, é claro que faria um churrasco dele. Jamais mataria sem um fim específico. E é claro que também não o dividiria com mais ninguém, devido a pobreza de carne que daria somente para uma pessoa.
Então vi um passarinho pousar no galho de uma árvore, engatilhei a arma, ou seja abri o cano, coloquei um chumbinho, fechei, e comecei a mirá-lo, quando achava que estava bem posicionado, pum!, atirei, ou o passarinho era transparente, ou era um vulto, um fantasma, ou o chumbinho tinha passado quilômetros de distância, pois o passarinho nem se mexeu. Daí engatilhei de novo, e dessa vez pelo menos ele, o passarinho, se assustou, bateu as asas e foi embora, não sei até hoje, se o chumbinho passou perto, pegando em um galho e o espantou, ou ele se cansou de esperar ou tinha algo melhor para fazer e foi-se embora. Engatilhei a arma novamente e fiquei esperando o próximo. Note que eu só atirava no passarinho que estava em um galho, em uma árvore, ou seja, sempre, toda a vez eu atirava para cima, nunca em direção ao chão, por mais perto que um passarinho poderia estar, pois, mesmo com toda a ignorância passível daquele idade, eu tinha medo de que o chumbinho pudesse ricochetear em uma pedra e por acidente acertar uma pessoa, ou eu mesmo.
Enquanto estou na espera de outro passarinho, chega um amigo meu, já falei dele em outra postagem, foi aquele que me chamou de puto aos sete anos na fila do colégio, lembram-se, pois é, era ele mesmo, o Édi, ele logo foi querendo atirar com minha arma de pressão, pensei, ele está louco, não a empresto nem aqui, nem na China, daí pousou outro passarinho, e como achava ter quase acertado o último, disse para ele: - Quer ver cair aquele ali? Eu atirei, e nada novamente, daí eu engatilhei, coloquei o chumbinho, e com tantas solicitações de deixa eu atirar essa vez, que eu não aguentei mais e dei a arma para ele, maior bosta que eu já fiz na vida. Ele viu um passarinho pousar em uma árvore, mas nesse mesmo tempo, estava passando, na calçada, em frente a nossa casa, a uns 20 ou 30 metros, dois amigos dele, que eu não conhecia, cada um desses, carregava uma caixa de som, estavam indo para a casa de alguma menina, pois levariam as caixas para uma festinha que iria rolar por lá. Eles acenaram para o Édi, não deveriam tê-lo feito isso. O Édi estava na minha frente, de costas para mim, então virou-se, olhou para mim, e como uma cara diferente, me disse, arregalando os olhos: - Hélio eu vou atirar neles! Eu disse: - Deixa de ser bôbo, vai atira logo no passarinho! Mas ele parecia não estar mais ali, parecia ser uma outra pessoa.
Daí então ele mirou e apontou para os seus amigos! Pensei: - O Édi deve estar brincando, ele não é louco!! Nesse mesmo momento, havia um vento mais forte, não era nenhum furacão, mas também não era nenhuma brisa fraca, então ele desviou a ponta da arma para frente daqueles dois, e puxou o gatilho. O amigo dele desabou no chão, daí ele, o Édi, com os olhos bem arregalados, me olhou e disse: - Hélio eu matei ele! - Hélio eu matei ele! Daí eu respondi tá vendo se filho da p....- Eu não te disse para atirar no passarinho? - E, agora? - O que vou dizer para o meu pai quando ele chegar, pois é ele quem irá para a cadeia, te vira meu amigo, eu vou tratar de esconder a arma.
Pensava, naquele momento, somente em esconder a arma, pensava em como enrolá-la em jornais, e fazer um buraco, bem no meio do jardim e colocar a arma lá, seria o local perfeito, daí eu entrei em casa, o Édi foi atrás de mim, aos prantos, me dizendo- Hélio eu matei ele!!! - Hélio eu matei ele!!!! E eu só respondia: - Te vira meu amigo! Já tenho problemas demais. Hoje vejo que não fui muito amigo de meu amigo Édi, que caso ele estiver lendo essas linhas, (que ele pediu para nunca colocar), que me perdoe, digo isso do fundo do meu coração, viu Édi, meu amigo!!!! Enquanto isso o amigo dele agonizava deitado lá da calçada, daí eu disse: - Vai lá ver se ele ainda está vivo quem sabe temos ainda uma chance!! Ele foi lá e, escondida a arma, debaixo de minha cama, lá fui eu também. O menino chorava, estava aos prantos, dizia que não queria morrer tão cedo, que estava indo para colocar um som na festinha de umas meninas, e agora não sairia nenhuma festa.
Ele calçava uma bota, dessas de gaúcho, em que o cano da bota vai até ao joelho, e era toda amarrada, o chumbinho, tinha passado justamente pelas frestas daquela porra de cerca de sarrafo, e com o vento, ele fez uma curva e acertou a perna direita do menino, sua bota voou longe, a caixa de som se arrebentou no chão, e somente uma gota de sangue saiu do ferimento de sua perna, o chumbinho estava ali.
Quando eu vi que somente uma gota de sangue havia saído da perna dele, fiquei mais sossegado, vi que não era muito grave, pois eu tinha imaginado que a calçada tinha ficado toda encoberta de sangue, mas não, estava tudo bem limpinho, aquela única gota de sangue nem tinha ainda chegado ao seu calcanhar, então não haveria nem um rastro de sangue. Então o outro amigo pediu para eu levá-lo para dentro de minha casa, para dar-lhe um copo d'água, o que evidentemente não aceitei, daí eu disse; -Que o Édi leve para a casa dele, não foi ele quem deu o tiro? Mais uma vez, me perdoe Édi se tiver lendo essas linhas!!! Neguei ajuda. Então nesse momento passava um carroceiro que perguntou do acontecido, daí expliquei que meu amigo tinha atirado nele, (e daí Édi tudo bem? Desculpe-me por essa aí também tá bom?) e que eu ia lá dentro de casa buscar água para ele beber.
Daí o carroceiro me orientou para não dar água, (pensei então será que tem que ser leite?), explicando que se tratava de choque e se eu lhe desse água ele engoliria a língua e morreria ali mesmo. Pensei: - Então tá ficando complicado mesmo, já, já vai sobrar para mim também!! Daí perguntei para onde o carroceiro estava indo, ele apontou para a direção da casa onde morava o menino, daí então, eu solicitei que ele, o carroceiro, levasse o menino até sua casa, o que foi atendido. O Édi estava desconsolado, dava dó. - E agora, Hélio, o que eu faço? Respondi: - Vai para casa meu amigo e conte tudo para seus pais, eles saberão o que fazer contigo. (Só mais essa, tá bom Édi!!). Então o Édi foi! Fiquei pensando, mas que bosta! Eu estava sozinho tentando matar um passarinho, e logo em seguida aparece o Édi e dá um tiro naquele menino o que vai ser de mim, estava começando a me preocupar também, é lógico. Dexei passar umas duas horas e fui lá no Édi, que graças a Deus me disse que o menino iria se salvar, a mãe do menino, que era diretora do Grupo Escolar Flores da Cunha) era amiga de sua mãe, e ela mesma tratou de acalmar o Édi, dizendo que isso acontece etc. Quando chegaram meus pais em casa eu tive de contar da tragédia ocorrida, eles é claro me desceram o moral. Me senti o pior ser vivente da face da Terra, mas merecia.
O que fiquei sabendo depois é que o chumbinho não poderia ser removido, ou por estar perto de uma veia vital, ou por estar perto do osso, não sei bem, parece-me que até hoje, o chumbinho ainda está lá perna daquele coitado. Esse menino eu nunca mais vi, nem ele, nem o seu outro amigo que estava levando a caixa de som. Bem, quanto a mim, nunca mais peguei numa arma, nem de pressão, nem dessas de parque de diversões. Comento isso na postagem de hoje, para que esse acidente sirva de lição, a outros adolescentes desavisados, pois isso que aconteceu comigo poderia ter sido muito pior. Tratem de evitar em pegar armas de seus pais. Jamais façam isso, e nunca terão que pedir perdão, dezenas de anos depois, ao seu melhor amigo. Desculpe-me Édi, por não ter sido tão amigo de você naquele momento do acidente. Amigo assim, a gente nunca esquece, não é mesmo Édi? Até a próxima postagem!
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